Simplicidade abre portas; prepotência não leva a lugar nenhum – Fabio Gomes

Foto Almir Almeida

Ex-zelador, Fábio Gomes, 48 anos, alcançou seu objetivo de atuar como síndico profissional

Estou há 31 anos no mercado condominial. Comecei no ‘chão de fábrica’. Subi degrau por degrau mirando na sindicatura e cheguei lá! Sou grato a Deus porque sempre encontrei quem contribuísse com minha evolução. Mas a primeira contribuição veio de casa, dos meus pais, pessoas simples, gentis, que me criaram com princípios para que eu pudesse trilhar meu caminho com coragem e dignidade.

 Nasci e cresci em Dário Meira, no Sul da Bahia, a 100 quilômetros de Ilhéus. Eu e meus quatro irmãos fomos criados na fazenda de parentes, onde meus pais trabalhavam. Os dois eram analfabetos, mas com mentes brilhantes. O meu pai, ex-vaqueiro, gerenciava uma propriedade com 300 empregados, e a minha mãe abriu um pequeno comércio para vender arroz, feijão e farinha para esses trabalhadores. Os mantimentos vinham em sacas, que viravam vários saquinhos de um quilo, pesados por mim e meu irmão. Com 11 anos, eu fazia o pagamento salarial dos empregados e achava engraçado porque eu entregava o dinheiro com uma mão e com a outra recebia a quitação dos mantimentos. Como eu tinha energia e curiosidade de sobra, era no contraturno da escola que ajudava meus pais em atividades que exigiam leitura, entre outras demandas. Aos 12 anos, eu já dirigia trator e caminhão.

Em 1993, aos 17 anos, decidi morar em São Paulo. Fui recebido por meu tio, então zelador do Edifício Rosa Azul, e fiquei algumas semanas no apartamento funcional do condomínio, localizado na Chácara Santo Antônio, zona sul da cidade. Tão logo comecei a trabalhar na portaria de um pequeno residencial da vizinhança, aluguei uma quitinete, só que em bairro bem distante do trabalho. Além de precisar madrugar para chegar no horário, com frequência assaltantes levavam o dinheiro da condução.

Aos 18 anos, já com habilitação, meu tio me levou para o Rosa Azul, contratado como porteiro e manobrista, e me ensinou muito sobre condomínio. Um senhor que costumava visitar o filho nesse edifício, gostava do meu jeito dinâmico, enxergava em mim um futuro zelador, e me indicou para a síndica do condomínio em que ele morava, o Santa Helena Santo Alberto, pertinho dali. Com a bênção do meu tio, mudei de condomínio, mas não de função. No entanto, passado algum tempo, fui promovido a zelador, o que foi um divisor de águas na minha vida.

Com 21 anos, passei a ocupar a casa do zelador, na cobertura do edifício, com vista para o Esporte Clube Banespa. Não havia mais aluguel para pagar nem percursos longos de ônibus. Aproveitei para estudar à noite. Conclui a formação básica, fiz curso técnico em Gestão Empresarial no Senac, e não parei mais. Anos mais tarde, me graduei em Gestão de Segurança Privada, e cursei alguns semestres de Direito. Além de estudar muito na juventude, eu gostava de praticar esportes. Cheguei a ser vice-campeão paulista no estilo Kyokushin de caratê.

“Amadureci rápido [como zelador]. Lidei com trâmites de óbitos, funcionário baleado na calçada do prédio e auxiliar de limpeza alcoólico e epilético.”

Enquanto zelador, me impus alto nível de cobrança, querendo ser cada vez melhor, para provar que mesmo jovem, eu era capaz de resolver problemas do condomínio e de servir às pessoas. Amadureci rápido. Lidei com trâmites de óbitos, funcionário baleado na calçada do prédio e auxiliar de limpeza alcoólico e epilético. Nesse caso, eu e a síndica agimos para que ele, pai de família, não perdesse o emprego e, por meio de muita paciência e conversa, conseguimos que se afastasse da bebida. Após cinco anos como zelador, pedi demissão. Queria continuar atuando em condomínios, mas de outra forma, talvez, um dia, me tornando um síndico profissional do quilate de Nilton Savieto, a quem conhecia apenas através da imprensa especializada no segmento.

O meu emprego seguinte foi como gerente condominial, responsável pela implantação de um edifício comercial em Pinheiros, na zona oeste, que fazia parte de um projeto que contemplaria um residencial com estúdios, ainda em fase de construção, o qual eu também viria a implantar. O fato de ter acompanhado essa torre sendo erguida, convivendo com engenheiros e mestre de obra, valeu por um MBA. Já na administração do comercial, aprendi uma triste lição. A recepcionista, de confiança, meu braço direito, desviou uma encomenda valiosa. Constatei que não dá para confiar 100% em alguém, o ser humano pode falhar, cometer sérios deslizes.

Passados sete anos, troquei de emprego, me tornando gerente predial em um residencial de altíssimo padrão no Alto de Pinheiros. Atuei em modelo de gestão compartilhada com o síndico morador, que rendeu muito! Desmascaramos um esquema de horas extras, modernizamos a segurança e reduzimos em 50% o gasto com gás ao substituir o sistema de aquecimento das caldeiras por aquecedor de passagem. Nesse condomínio, aprendi a melhorar meus relatórios. Encontrei pessoas muito educadas, mas ocupadíssimas. Você precisa saber quando e como falar com elas, não adianta dizer ‘eu acho que’, tem que ser preciso na informação. Passei seis ótimos anos ali, até decidir que iria empreender e abri minha empresa de consultoria e sindicatura.

Em 2014, assumi a implantação do Open Mall Pátio Cotia, na região metropolitana de São Paulo, em gestão compartilhada com o investidor. Administrei esse centro comercial durante nove anos, e o desafio maior foi no início da pandemia. Com serviços essenciais, o mall funcionou a todo vapor. Redobramos os cuidados de higiene e fiscalização de distanciamento entre as pessoas, especialmente nas longas filas que se formavam a partir da uma hora da manhã para saques do Auxílio Emergencial.  Eu ficava no olho do furacão, parecendo um apicultor com uma máscara com tela feita pela minha tia. Foi um período tenso.

Em paralelo ao Open Mall, implantei o Espaço Empresarial Torre do Paço, em Osasco, por indicação do investidor, e estou síndico desse condomínio faz dez anos. Hoje em dia, tenho em carteira condomínio-clube, de casas, de estúdios e comerciais. Acredito que o tripé formado por engenheiro, jurídico e administradora é um apoio essencial na gestão de um condomínio. Também valorizo a manutenção. Meu slogan é ‘foque na preventiva e evite a corretiva dolorida’. Procuro ser leal, justo e coerente para deixar uma boa marca por onde passar. Continuo simples como o garoto que saiu da fazenda. Simplicidade abre portas; prepotência e arrogância não levam a lugar nenhum.”

Fábio Gomes, em depoimento a Isabel Ribeiro

Matéria publicada na edição 308 fev/25 da Revista Direcional Condomínios

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